... deliciava-se a escrevinhar histórias por encomenda (interna, externa ou extraterrena)

quarta-feira, 4 de abril de 2007

A Fuga

Este texto foi escrito de fugida, por encomenda externa, sensivelmente há pouco tempo atrás...
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Percebia-se sujo e cansado, apesar de manter um sorriso vivo e urgente. Nem por temer tombar de exaustão, a excitação era menor. Uma sensação dengosa e zen crescia nele à medida que entrava mais fundo. A transgressão deixava-o tonto de prazer, mas tinha de se concentrar...
Ao fim de tanto tempo, reencontrar a sua paz merecida, livrar-se de tudo o que o bloqueava, roubar uma pausa da sua vivência atribulada, usufruir o que ainda lhe restava enquanto homem.
O que fazia não era trivial e a liberdade ainda tardava.
Sentia-se tão diferente do que fora outrora.
Tornara-se um marginal aos olhos dos amigos, por aceitação de normas tolas, porque tinha medo de não se enquadrar, porque Dulcineia lhe parecera um sonho, num sonho que tivera quando ainda acreditava na sua força, no seu valor.
Os anos passaram. Sem permissão, levaram-lhe as certezas. Gestos paralisantes, progressivos, doentes, simplesmente maus, deixaram-no morrer aos poucos, mirrando o seu querer e a sua vontade.

Até que um dia vira aquela imagem. O cenário da evasão tão desejada. Uma ilha qualquer com ordem para mudar.

Assim, de um modo mágico camuflado por uma vidinha normal, Sebastião começara a escavar a sua sorte e o seu destino. Sairia de casa, deixaria a sua mulher tão temida... já nem sabia bem porquê.

Num belo dia de chuva, enquanto Dulcineia ruidosamente sorvia uma coxa de galinha, Sebastião, corajosamente a medo escondeu uma colher.

Seria ela a sua companheira de fuga durante esta sua história de amor próprio.

A colher com que ia cavando o túnel parecia-lhe cada vez mais bela e mesmo a ferrugem que ia tomando conta do brilho prateado não a tornava menos atraente. Sentia-se mais habituado à presença daquele utensílio do que à pele de socalcos da mulher, com quem ainda tinha de dormir e cumprir uma ou outra função matrimonial...

Moral da história:
Entre marido e mulher não se mete a colher...


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